Desalavancagem Financeira e Crescimento Econômico?

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Desalavancagem Financeira e Crescimento Econômico?

O objetivo primordial das economias é aumentar a sua produção para atender aos anseios de consumo da população.  Com as inovações financeiras que se iniciam em meados do século XVI na Europa, o crescimento econômico foi facilitado pela disseminação do crédito. Com este, inovações tecnológicas ganharam força e reforçaram o processo de dinamização da economia, gerando o maior surto produtivo da humanidade apenas nos últimos 200 anos.

Assim, não é possível separar crescimento econômico do acesso ao crédito. Ao tomar empréstimos, uma empresa está “alavancando” seu potencial presente, com vistas à realização de lucros no futuro. Estes devem, por sua vez, gerar volume suficiente de recursos para remunerar os credores, bem como os acionistas da empresa.

O mesmo ocorre com as famílias. Princípios básicos das finanças pessoais recomendam que a contratação de dívidas deve apenas ser feita quando o uso dos recursos tiver propósito de investimento no patrimônio material e cultural dos integrantes, tais como imóveis, educação e saúde, dentre outros. Afinal, a “alavancagem” financeira de uma família não pode colocá-la  numa posição de fragilidade no futuro, sob pena de ter de vender os ativos adquiridos para poder honrar suas obrigações financeiras.

Como é amplamente sabido, quando se tem pressa em vender algo, dá-se ao comprador um enorme poder de barganha, de forma que o preço pago tende a ser muito baixo. Com efeito, o processo de quitação dos compromissos adquiridos no passado leva necessariamente a uma redução nos gastos planejados por empresas e famílias (deixamos o governo para outra ocasião). O resultado é duplamente ruim, pois ao consumirem menos, as famílias diminuem a receita das empresas, as quais não veem, por sua vez, perspectivas positivas de aumentar o emprego e a produção; isso reforça a fragilidade financeira das famílias, reforçando o processo.

Por anos a fio, no Brasil, empresas e famílias se endividaram na esperança de obter renda no futuro para honrar seus compromissos financeiros. A frustração de tais perspectivas colocou muitos destes agentes numa situação econômica deficitária, em que gastos excedem os ganhos. Como esperado, estas unidades econômicas iniciaram o corte de despesas e uma vasta liquidação de ativos. Este é um processo normal do sistema econômico, uma espécie de purificação dos excessos cometidos no passado. Todavia, como a economia é uma rede de balanços monetários conectados, há um mecanismo de disseminação sutil que afeta aquelas empresas e famílias que não se entregaram aos exageros. Vejamos.

Note que quando uma parte da sociedade passa a vender ativos, o preço médio dos mesmos cai, afetando o valor do patrimônio de outras famílias. Neste caso, uma empresa cuidadosa (que não se encontra muito alavancada) pode ser colocada numa posição de fragilidade financeira, por que o valor dos seus ativos (os quais servem de garantia para os seus empréstimos) sofreu uma redução no mercado. No momento de pedir uma extensão de prazo para um empréstimo, o banco pode exigir uma taxa de juros mais elevada, para cobrir o maior risco financeiro da empresa, sem que a mesma nada tenha feito para merecer tal custo.

É por isso que, no atual processo de desalavancagem pelo qual passa a economia brasileira, as empresas e as famílias se antecipam a esta possível piora e todos começam a cortar gastos preventivamente. O gráfico abaixo ilustra o processo de redução nos níveis de endividamento familiar. Fica evidente que uma parcela importante do estoque de dívidas refere-se a financiamento habitacional.

 

Note, no gráfico abaixo, como a partir de 2011, ocorre uma redução gradativa dos recursos destinados a amortizações e elevação do gasto com serviço de juros das dívidas já contraídas. Esta combinação explica a sustentada queda no consumo e no investimento das famílias. A rolagem de obrigações financeiras foi feita até final do ano passado com taxas de juros mais elevadas, comprometendo maior parte da renda das famílias.

 

Enquanto este processo de desalavancagem não for concluído, o crescimento econômico não retornará com a desejada força. Por isso, as estimativas de crescimento da economia vem sendo recorrentemente reduzidas. A queda da taxa de juros pode abreviar este movimento, permitindo que devedores renegociem suas dívidas em condições financeiras mais favoráveis à retomada do dinamismo do consumo e dos investimentos. Porém, uma coisa é certa: sob fragilidade financeira, nenhuma perspectiva positiva aparecerá num futuro breve, não importa quão otimistas sejam os economistas.

 

Links:

Brasil

http://www.paulogala.com.br/um-mundo-afogado-em-dividas/

http://www.valor.com.br//financas/5006108/o-novo-normal-do-brasil-e-politica-monetaria

China

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/martinwolf/2017/04/1874917-sera-que-a-china-consegue-reequilibrar-sua-economia-da-maneira-necessaria.shtml

http://www.paulogala.com.br/formigas-cigarras-e-gafanhotos/

US

https://www.bloomberg.com/news/articles/2017-06-14/portfolio-managers-are-holding-record-levels-of-corporate-debt?t=1&cn=ZmxleGlibGVfcmVjc18y&iid=cbe3bc00a40e424fbca5325b7c7f8272&uid=1176680060&nid=244+272699400

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