A economia no olho do furacão

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A economia no olho do furacão

A disparada do dólar, o aumento do preço dos combustíveis e a demora na retomada no ritmo de atividade colocaram a economia no centro das preocupações do país. A greve dos caminhoneiros piorou ainda mais a percepção sobre a recuperação ao evidenciar a fragilidade logística do país. Economistas ouvidos por VEJA explicam como esses indicadores econômicos estão interligados e afetam a vida do brasileiro.

 

A greve, o diesel e o petróleo

A greve dos caminhoneiros foi detonada pela insatisfação com o preço do diesel, que acumula uma alta de mais de 50% desde que a Petrobras mudou sua política de preços em julho do ano passado. Desde então, a estatal baliza seus reajustes pelo mercado internacional.

Para entender por que o diesel subiu tanto no Brasil é preciso saber o que aconteceu com o preço do petróleo. Os preços da commodity saltaram da casa dos 35 dólares o barril para quase 75 dólares em pouco mais de um ano, após a diminuição na produção de grandes exportadores, como a Arábia Saudita – que havia abarrotado o mercado com o produto anos antes.

A nova política da Petrobras de acompanhar a variação dos preços praticados pelo mercado, instituída pelo presidente Pedro Parente ainda em 2016, foi a chave para a estatal acompanhar essa alta do petróleo e repassar o preço às distribuidoras, que, em efeito cascata, transferiram para o consumidor.

No acumulado dos últimos 12 meses, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que mede a inflação oficial, mostrou que o preço dos combustíveis subiu 16,6% já em abril – último mês disponível do levantamento completo.

“A alta de 50% afeta muito a inflação pois encarece, no final, todo o transporte, como ônibus e a logística das empresas. Se você planta banana no interior de São Paulo e traz para o Ceagesp, você vai pagar 30% mais caro no diesel e vai repassar ao consumidor”, afirma Joelson Sampaio, da FGV.

Os efeitos da greve foram sentidos por toda a população. Com os caminhões retidos nas estradas, houve desabastecimento em postos de gasolina, supermercados e farmácias. Empresas ficaram sem insumos para produzir. O setor de transporte ameaça reduzir suas operações.

 

Inflação e juros

Por enquanto, os efeitos da greve dos caminhoneiros ainda não foram medidos pelos indicadores de inflação. De janeiro a abril, a inflação acumula uma alta de 0,92%, o menor patamar desde a implantação do Plano Real, em 1994. Em vez de configurar uma boa notícia, a inflação baixa demais é reflexo do fraco desempenho da economia e do desemprego elevado. “Parte de a inflação estar tão baixa deve ser atribuído à fraqueza da atividade econômica. Com a demanda fraca, as empresas não têm espaço para repassar preços”, diz João Ricardo Costa Filho, professor de Economia do Ibmec/SP.

O desemprego elevado também acaba segurando os preços dos produtos, já que reduz a massa de rendimentos disponível para o consumo. “Como existe um monte de gente precisando trabalhar, as empresas contratam por salários menores e com isso reduzem seus custos e dessa forma conseguem segurar o preço”, afirma o professor.

Esse cenário de inflação sob controle permitiu que o Banco Central mantivesse um ciclo de redução da taxa básica de juros, que foi mantida em 6,5% ao ano na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Resta saber agora se os efeitos da disparada do dólar e do combustível, potencializados pela greve dos caminhoneiros, não vão abrir espaço para a retomada da elevação dos juros.

“Existem variáveis influenciando a taxa de juros: a inflação e a atividade econômica. Enquanto a fraqueza da atividade econômica se sobressair sobre a inflação, haverá espaço para não aumentar a taxa. Por enquanto, o BC está conseguindo conter a alta do dólar e impedindo que sua subida se propague. Não dá para saber quando o juro voltará a subir”, afirma Costa Filho.

 

A pressão do dólar na inflação

 A subida do dólar pressiona a inflação, pois vários custos de produção estão atrelados à moeda americana. “A alta do dólar pressiona o custo de produção de vários setores, que trabalham com insumos importados. Outras empresas possuem custos financeiros em dólar”, diz Ricardo Balistiero, mestre em economia e coordenador do curso de administração do Instituto Mauá de Tecnologia.

Alimentos à base de trigo, como pão e massas, são alguns dos que sofrem o impacto direto da alta da moeda porque o país depende de importados para garantir o consumo interno. De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães e Bolos Industrializados (Abimapi), o Brasil consome cerca de 10 milhões de toneladas de trigo por ano, mas produz apenas metade disso. O restante é importado, especialmente da Argentina. Porém, neste ano houve quebra da safra do país vizinho e o produto está sendo comprado nos Estados Unidos e América do Norte, o que eleva ainda mais o custo, já que importações dentro do Mercosul têm isenção tributária.

O economista da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Thiago Berka, diz que a alta do dólar tem impacto direto no setor. “Produtos de limpeza e higiene pessoal, que dependem de artigos químicos importados em sua composição, podem ter reflexo”, diz.

“Não bastasse essa situação que já é complicada para o preço, agora temos o agravante da alta do dólar”, afirma o presidente-executivo da Abimapi, Cláudio Zanão.

 

Como os juros dos EUA nos afetam

Dezembro de 2015 e maio de 2018 parecem distantes, mas a conexão entre os dois é mais próxima do que se imagina. Decisões políticas e econômicas tomadas neste período de dois anos e meio ajudam a explicar a atual crise e os motivos de a recuperação da economia do país ainda patinar.

Naquele mês, o Fed, o banco central americano, observou que os efeitos da grande crise de 2008 estavam amenizados por lá. Dessa forma, decidiu iniciar um processo gradativo de aumento na taxa básica de juros dos EUA após chegar ao menor patamar histórico (entre zero e 0,25% ao ano).

Essa nova política econômica dos EUA atingiria em cheio a economia de países emergentes, entre eles o Brasil, e seria uma das responsáveis pela atual crise que o país enfrenta, com reflexos no câmbio e na inflação.

Com juros maiores nos EUA, grandes investidores começaram a tirar o capital do Brasil e levar à América, em um processo chamado de ‘voo para a qualidade’ aos títulos do governo americano  – mais seguros que as oportunidades oferecidas em países emergentes.

Esse ‘voo’ provocou uma desvalorização do real frente ao dólar. “Essa saída de investidores é uma retirada de dólar daqui. Isso faz com que tenha menos dólar no país e, pela lei da oferta e procura, faz a moeda americana subir em relação ao real”, diz Joelson Sampaio, professor da Escola de Economia de São Paulo da FGV.

No mês passado, a saída de dólares do Brasil superou a entrada em 3,94 bilhões, segundo dados divulgados pelo Banco Central (BC).

“Quando o real desvaloriza, há uma tendência de aumento dos preços de bens importados. Ao desvalorizar o câmbio, aumenta também o preço dos insumos importados e isso acaba se refletindo na nossa economia, significando uma inflação maior nos próximos meses”, afirma Pedro Raffy Vartanian, professor de economia e pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica.

 

O desemprego, último a se recuperar

A relação entre dólar e inflação não é a única que afeta a economia, segundo Ricardo Balistiero, coordenador do curso de administração do Instituto Mauá de Tecnologia. “As variáveis econômicas estão interligadas. Deveria ser um ciclo virtuoso, mas acaba sendo um círculo vicioso.”

Ele cita várias correlações, como entre o déficit público e a taxa de juros e entre juros e demanda. “O debate eleitoral deve tratar da reforma da Previdência e do déficit público. Com as contas em desordem, o BC aumenta a dívida. Com mais dívida, em algum momento será necessário subir os juros.”

Esse mesmo déficit pode detonar o debate sobre carga tributária. “Embora seja muito impopular falar em aumento de imposto, a tentação por criar novos tributos é grande quando as contas estão em desordem”, afirma Balistiero.

Em um cenário pessimista, que pressupõe mais inflação e juros mais altos, a tendência é de que a atividade econômica se desacelere ainda mais. Tudo isso deve frear ainda mais a retomada do emprego, um dos últimos indicadores a se recuperar.

“Devemos ter um pouco de juros e um pouco de inflação, mas nada assustador. Mas não teremos redução do desemprego, pois a economia vai continuar andando de lado neste fim de governo”, diz o economista Fábio Silveira, sócio da MacroSector.

 

Fonte: Veja

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