Viés otimista ou viés de autoconfirmação?

O fim do ano se aproxima e, com ele, iniciamos o ritual de mentalizar um futuro mais próspero. Alguns pulam ondas, outros vestem cores que correspondam a algum anseio mais específico; alguns meditam pela paz mundial enquanto outros cumprem suas últimas promessas em troca de um amanhã menos árduo.

Não é à toa que gastamos tanto espaço mental tentando descobrir o que o “futuro” deseja de nós, para que possamos agradá-lo. O futuro é um mestre duro e exigente!

A questão que se coloca é: quando apreciamos suas exigências, consideramos o que ele realmente quer ou o que nós desejamos que ele queira?

Como já vimos em outra ocasião, há muitos problemas envolvidos na decisão humana, seja na previsão do PIB, seja nos investimentos. Há muitos vieses que atormentam o processo de tomada de decisão. É comum confundir, na formação de nossas expectativas, o nosso desejo com uma leitura balanceada da realidade.

Mônica de Bolle escreveu recentemente que os economistas, em geral, imprimimos um viés otimista em suas previsões quanto ao futuro. Seríamos mais propensos a acreditar na persistência da prosperidade do que na “possibilidade de catástrofes”. Assim, de Bolle argumenta que este viés otimista é mau conselheiro, pois nos leva a tomar riscos excessivos, na esperança de que o futuro, este áspero mestre, corrija os desequilíbrios e deixe tudo arrumadinho para nós. Ela chama atenção para a prática quase automática de acreditar que o PIB “do ano que vem” será melhor do que o deste ano.

A inauguração de um governo Bolsonaro tem sido aguardada com muito alvoroço. As promessas de renovação que ele carrega trazem consigo uma expectativa de que tudo será melhor, ainda que haja muito por ser definido, em particular as ações no campo fiscal, no plano político e das relações exteriores. As expectativas positivas podem estar ancoradas neste viés otimista, mas podem ser também fruto de algo mais profundo, como um viés de autoconfirmação.

A diferença parece pequena na superfície, mas é substancial.

O viés otimista implica uma diminuição na possibilidade da catástrofe, mas não significa que as pessoas não possam atualizar suas previsões mediante novas informações. O viés de autoconfirmação é mais forte, pois resulta na rejeição de informações que levem a resultados diferentes do previsto. Ou seja, mesmo quando a realidade insiste em negar o que o papel diz, as pessoas não atualizam suas previsões. Desnecessário detalhar os danos que isso pode causar.

Um exemplo deste viés ocorreu no mercado de criptomoedas, que cobrimos aqui anteriormente. Dissemos ali que os “criptoativos” carregavam em si uma tendência de reforçar expectativas de crescimento ilimitado, as chamadas bolhas. As expectativas em processos de bolha tendem a se autorreforçar, ainda que a realidade não ofereça dados que justifiquem tal esperança. Este é o tema do mais recente livro de Nicola Gennaioli e Andrei Shleifer, A Crisis of Beliefs: Investor Psychology and Financial Fragility (A Crise das Crenças: psicologia do investimento e fragilidade financeira).

Quando a realidade perde peso na formação das expectativas, entramos no terreno da crença, um processo cognitivo muito mais difícil de desarmar. É neste cenário que surgem as bolhas, processos em que os preços descolam dos fundamentos por que os agentes atribuem pesos demasiados às crenças de contínua e indeterminada apreciação. Quem investiu em criptomoedas e não notou os sinais, hoje amarga perdas terríveis em seu patrimônio.

Outra aplicação do viés de autoconfirmação se dá no uso das estimativas do PIB para definir as metas de vendas das empresas. Os gestores costumam ser “otimistas” não por ingenuidade, mas porque precisam deste “otimismo calculado” para motivar os vendedores. Uma estimativa pessimista desanima a força de vendas, a qual passa a justificar seu insucesso com os pesares da macroeconomia. Isso não significa, evidentemente, que os gestores devam levar estas previsões às últimas consequências. Se o fizer, terá sido presa do viés de autoconfirmação.

A moral da história é: seja tão otimista quanto vigilante. O futuro não perdoa quem não enxerga os sinais da mudança.

//]]>